sábado, 27 de outubro de 2007

Os detalhes do Inquérito

Diário Catarinense ; João Cavallazzi + Felipe Pereira + Diogo Vargas ; 28/10/2007

A Operação Moeda Verde, maior investigação envolvendo autoridades públicas já realizada pela Polícia Federal (PF) em Santa Catarina, está narrada em 743 folhas. Este é o número de páginas do inquérito assinado pela delegada Julia Vergara, resultado de 14 meses de um trabalho que envolveu mais de 150 policiais federais, além de procuradores da República e a Justiça Federal.

No documento, cuja cópia foi obtida na íntegra pelo Diário Catarinense, a delegada faz um descrição minuciosa das acusações que a PF atribui a cada um dos 54 indiciados - o grupo é formado pelo prefeito da Capital, procurador do município, dois vereadores, secretários, servidores públicos (municipais, estaduais e federais) e empresários.

Para facilitar a compreensão do que a PF classifica de "quadrilha de servidores associada para a prática de crimes contra a administração pública e contra o meio ambiente", o relatório da delegada divide a Operação em 26 casos. Cada um deles diz respeito a uma frente de investigação aberta a partir de 27 de julho do ano passado, quando começaram as escutas telefônicas autorizadas pela Justiça.

No caso número 20, quando trata da chamada Lei da Hotelaria, motivo do indiciamento do prefeito no inquérito que irá para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), a delegada Julia registra:

- De acordo com os áudios interceptados, o Projeto de Lei Complementar foi apresentado por Dário Berger com o intuito de atender os interesses de Fernando Marcondes de Mattos, proprietário do Costão do Santinho.

Para comprovar o suposto benefício, a delegada pede ao juiz da Vara da Fazenda da Capital Zenildo Bodnar que represente, junto ao TRF-4, em Porto Alegre, pela quebra do sigilo telefônico do prefeito e do empresário. De acordo com Vergara, a medida é necessária "para que sejam identificados os números de telefonia e respectivos titulares com os quais foi feito contato no período de 1º de setembro de 2006 a 31 de janeiro de 2007, considerando que neste período teria havido a busca de recursos que teriam sido, ao final, ao que indicam as investigações, entregues a Dilmo Berger e Adir Cardoso Gentil" e supostamente repassados para a campanha do deputado federal Djalma Berger (PPS), irmão do prefeito e de Dilmo. Todos negam as acusações.

O relatório da polícia traz trechos de depoimentos (ao todo, 86 pessoas foram ouvidas pela PF), transcrições de centenas de ligações telefônicas, mensagens eletrônicas trocadas entre os investigados, arquivos de computadores de empresas e órgãos públicos e dados de sigilo fiscal e bancário.

Além disso, revela documentos que, para a PF, indicam que pelo menos dois funcionários públicos que prestavam serviço ao Grupo Habitasul, empresa que criou Jurerê Internacional, no Norte da Ilha

Investigações apontam repasse para candidatura

No inquérito sobre a Operação Moeda Verde, a delegada Julia Vergara sugere que os últimos detalhes do suposto pagamento de R$ 500 mil para a campanha de Djalma Berger a deputado federal foram acertados em uma reunião da ONG Floripa Amanhã, realizada em 27 de setembro de 2006. Teriam participado do encontro o dono do Costão do Santinho, Fernando Marcondes de Mattos; o prefeito da Capital, Dário Berger; e o secretário municipal de Turismo, Mário Cavallazzi.

De acordo com a Polícia Federal, o dinheiro foi entregue no dia seguinte no Costão do Santinho a Dilmo Berger, irmão do prefeito, e a Adir Gentil. A transação teria ocorrido cerca de duas semanas antes da eleição. Nas investigações, a delegada apontou que, como contrapartida, o prefeito teria se comprometido a elaborar uma lei para resolver pendências fiscais do Costão do Santinho com a prefeitura.

Vergara afirmou que o ex-vereador Juarez Silveira intermediou o primeiro encontro entre Dário Berger e Marcondes para tratarem do caso. O prefeito de Florianópolis teria feito uma visita ao apartamento do empresário em 19 de setembro. Segundo a delegada, eles trataram de assuntos de interesse do dono do Costão do Santinho junto à Secretaria Municipal da Receita.

Dois dias depois, Juarez Silveira ligou ao secretário da Receita, Carlos Alberto de Rolt. O passo seguinte de Juarez foi procurar o dono do Costão do Santinho e perguntar "se tem alguma coisa para segunda-feira". O empresário condicionou ao "nosso chefe (referindo-se ao prefeito) alinhar o secretário e definir o assunto".

Depois de tudo acertado, Juarez teria feito questão de participar da suposta entrega do dinheiro. No entanto, o pedido não foi atendido. Durante a reunião na ONG FloripaAmanhã, o prefeito e Marcondes combinaram a transação para as 8h30min. Mas o ex-vereador só foi chamado ao Costão do Santinho na hora do almoço. Indignado, Juarez ligou para José Nilton Alexandre, o Juquinha, homem de confiança do prefeito, e desabafou:

- A gente combina uma coisa, a gente fala. Aí vêm os caras aqui de manhã cedo. Levaram uma Mercedes completa, uma (Mercedes) ML e mais uma (Mercedes) C 200.

Para a Polícia Federal, em um trecho de uma conversa de Juarez com o ex-secretário de Obras Aurélio Remor, o ex-vereador faz referência à entrega do dinheiro.

- Montei aquele comitê (de campanha), dei um Ômega pra ele fazer campanha (referindo-se a um carro supostamente emprestado por Paulo Cezar Maciel da Silva). Arrumei aquele nosso amigo lá, aquele que fomos só eu e tu uma vez, o cara deu meio milhão.

Reunião no Santinho acertou detalhes da lei

Para a delegada Julia Vergara, a contrapartida da doação para a campanha seria a elaboração da chamada Lei da Hotelaria, que teria a finalidade de resolver problemas de Marcondes com o fisco. Em um diálogo de Juarez Silveira com o atual secretário municipal de Assuntos Institucionais, Michel Curi, o ex-vereador disse que "o projeto quem fez foi o Marcondes e alguém ligado à Secretaria de Arrecadação".

No dia 10 de dezembro de 2006, Juarez e Curi foram até o Costão do Santinho para combinar os termos da lei. Do hotel, o procurador ligou para o prefeito para informar que estava "discutindo a lei".

A delegada observou ainda que os incentivos previstos não representavam os interesses dos proprietários de hotéis da Capital. O empresário João Moura Neto, representante do setor hoteleiro que atuou nas alterações que o projeto sofreu na Câmara, disse, em depoimento, que Marcondes nunca representou a categoria.

A delegada ressaltou no relatório que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) não registrou nenhuma doação de Marcondes para a campanha de Djalma Berger, irmão do prefeito. Com as gravações, ela ficou convencida de que houve pagamento em troca da lei. Para comprovar a suspeita, a delegada pediu à Justiça a quebra do sigilo telefônico de Marcondes de Mattos e do prefeito Dário Berger.

Perícia expõe relações

A perícia realizada pela Polícia Federal nos computadores da direção do Grupo Habitasul, empreendedor de obras em Jurerê Internacional, na região Norte da Ilha, revelou o grau de proximidade entre a iniciativa privada e os agentes públicos indiciados no inquérito.

Na página 21 do relatório, a delegada Julia Vergara diz que "os servidores públicos mencionados (na investigação) agem interligados, mantendo unidade de desígnios convergentes a fim de auxiliar a Habitasul no cumprimento de seus objetivos institucionais privados".

Para comprovar as suspeitas, a delegada reproduziu no relatório e-mails trocados entre funcionários da empresa do ramo imobiliário - proprietária, por exemplo, do resort Il Campanario, obra que deu origem às investigações em maio de 2006.

Nas mensagens eletrônicas, além de marcar hospedagens em hotel de luxo no Rio Grande do Sul para vereadores e servidores públicos, eles também tratam do pagamento pela "assessoria especial" feita por Rubens Bazzo e José Rodrigues da Rocha, respectivamente, engenheiro da Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos (Susp) e arquiteto do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf).

Mensagens reveladoras

Um dos e-mails descobertos pela polícia é datado de 19 de janeiro de 2004 e traz o título "Renovação de Contrato de Rubens Bazzo para Assessoria em processos de aprovação junto à Prefeitura de Florianópolis. R$: 18.000,00". Segundo a delegada Julia Vergara, o contrato é renovado nos últimos três anos.

Mas os serviços do funcionário da Susp não eram honrados só com dinheiro, garante a delegada:

- Além dos valores auferidos da Habitasul declarados à Receita Federal por Rubens Bazzo - que é servidor público municipal, atuando na Susp na liberação de processos em que a Habitasul figura como interessada - , foram encontrados em sua residência documentos que dão conta da propriedade do lote 4 quadra 9 da 9ª Etapa do Loteamento Praia de Jurerê 9, tendo-o adquirido em 4 de outubro de 2001.

Em uma planilha, há os nomes Rocha e Bazzo, com valores de pagamento para os contratos de prestação de serviços assinados: R$ 112 mil para o primeiro e R$ 18 mil para o segundo. Assim como Bazzo, o arquiteto José Rodrigues da Rocha também teria recebido um terreno como "pagamento". Em troca de e-mails de 27 de julho de 2006, um funcionário do Habitasul escreveu:

- Solicito providências no sentido de proceder ao pagamento de contrato de José Rodrigues da Rocha. O pagamento se dará por transferência de imóvel localizado na 9ª Etapa (lote n° 01, quadra Q-07), conforme a cláusula 3a do contrato assinado em 2 de dezembro de 2002.

O nome do ex-vereador Juarez Silveira ainda constava do "Exame de Orçamento Programa jan/abr 2006 da Habitasul."

- Exemplo é a apresentação em power point no qual consta o slide que relaciona Juarez às metas da empresa.

Secretário é suspeito de vazamento

Na semana passada, em entrevista concedida à imprensa, o procurador da República Davy Lincoln Rocha afirmou que o vazamento de informações privilegiadas para suspeitos durante a investigação teria partido "de um quadro da Polícia Federal", sem citar nomes.

Conforme Rocha, conversas captadas pela polícia comprovariam a acusação de informação privilegiada, fato que teria ocorrido em novembro e beneficiado o ex-vereador Juarez Silveira (sem partido).

O assunto já tinha sido mencionado pela delegada da Polícia Federal Julia Vergara, autora do inquérito que indiciou 54 pessoas na Operação Moeda Verde.

O contato teria sido feito depois de Juarez retornar do Uruguai, onde comprou bebidas acima da cota permitida para importação. O ex-vereador, que já era monitorado no âmbito da Operação Moeda Verde, foi flagrado por policiais rodoviários federais em Palhoça, na Grande Florianópolis.

Em seu relatório, a delegada Julia Vergara trata do suposto vazamento. É na página 737, no tópico que tem como título "Registros e encaminhamentos necessários", quando ela afirma:

- Solicito autorização judicial para encaminhamento à corregedoria da Polícia Federal de todos os áudios envolvendo o delegado de Polícia Federal Ildo Rosa (relacionados em documento específico), para que seja apurado eventual cometimento de falta disciplinar e/ou de conduta criminosa, referente à sua atuação quando da prisão de Juarez Silveira por descaminho, e também com relação ao grupo empresarial Habitasul.

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