O Grande Licenciador
Em resultado do enquadramento legal que envolve a prática da arquitectura em Portugal discute-se muito quem pode afinal fazer arquitectura?
O tema é extenso e por certo relevante. Mas este debate não se faz acompanhar de um outro que talvez valesse a pena começar a dramatizar: quem licencia essa arquitectura? E como?
As Câmaras Municipais têm a seu cargo o exercício do licenciamento de projectos de arquitectura. Assim, os trabalhos de arquitectura promovidos pelos cidadãos são sujeitos ao escrutínio estatal, com vista a apreciar se estão em conformidade com as regras urbanísticas e edificatórias em vigor.
O que isto significa é que o acto do licenciamento desempenha uma função jurídica. A autoridade conferida aos organismos licenciadores do Estado resulta de se suportar em regras que estão devidamente inscritas na legislação e publicadas enquanto tal. Caso contrário, estaríamos na presença de um acto discricionário, ao sabor do entendimento pessoal e subjectivo de cada técnico ou entidade que exerce essa função.
Um dos graves problemas – diria mesmo dramas – de produzir arquitectura em Portugal resulta da fraca cultura institucional das Câmaras Municipais e demais organismos do Estado sobre significado do serviço público que deviam exercer. A falta de rigor jurídico, o incumprimento de prazos legais de tramitação processual, a falta de objectividade em relação ao que é essencial e acessório no que respeita aos interesses públicos e privados em presença, resultam num verdadeiro atentado à actividade económica e ao espaço de liberdade individual dos cidadãos. Resultado dessa cultura institucional débil, o cidadão acaba por ser confrontado com pareceres técnicos que misturam factos jurídicos com asserções de dimensão completamente pessoal e subjectiva, do entendimento do técnico individual ou do colectivo institucional que exerce a autoridade de licenciamento.
Devia reflectir-se seriamente sobre o que está aqui em causa. Já será negativo que em certas instituições se cultive um culto de rigor que é, em boa verdade, a mais cega e estrita interpretação possível da legislação. Mas quando este exercício recai para o terreno da completa indistinção entre legal e opinativo, entre o objectivo e o subjectivo, as consequências tornam-se ainda mais graves. Licenciar torna-se assim o mais discricionário exercício de autoridade à mercê dos seus técnicos e dos seus caprichos. Quando o seu zelo não se faz acompanhar de cultura arquitectónica ou saber técnico (histórico, patrimonial ou qualquer outro), os cidadãos vêm-se sujeitos às mais irrelevantes asserções e imposições sobre beirados, alisares, cores locais e essa anedota que dá pelo nome de traça original.
É muito importante que se compreenda de forma inequívoca que a autoridade dos agentes do Estado resulta da inscrição das suas disposições em suporte legal. Quando não estão em presença valores devidamente identificados e regulamentados, a sua actuação casuística e caprichosa faz resvalar essa autoridade para um exercício ilegítimo, sem transparência e, mais grave ainda, sem validade legal. Uma situação que promotores musculados poderão rebater facilmente com suporte jurídico, mas a que cidadãos e profissionais, por desconhecimento ou receio de retaliação, se acabam muitas vezes por submeter.
A reflexão importante que deveria fazer-se em torno do que serão boas práticas de licenciamento será inútil se realizada com mero intuito de culpabilização dos seus agentes. É certo que o Estado se debate com problemas de qualificação técnica e humana, de organização, metodologias e meios. E que a nebulosa cacofónica de legislação do sector torna o trabalho de licenciamento um pesadelo para os técnicos directamente envolvidos. O que está em causa, verdadeiramente, é a urgência em inscrever no Estado uma doutrina de qualidade. A instituição de uma cultura de serviço público e a compreensão de que as más práticas têm como consequência um pesado prejuízo colectivo e o desrespeito pelos direitos individuais dos cidadãos. A cegueira em afrontar este problema terá como resultados, de simplex em simplex, a perda de autoridade dos agentes estatais e, por fim, a desregulamentação total.
O tema é extenso e por certo relevante. Mas este debate não se faz acompanhar de um outro que talvez valesse a pena começar a dramatizar: quem licencia essa arquitectura? E como?
As Câmaras Municipais têm a seu cargo o exercício do licenciamento de projectos de arquitectura. Assim, os trabalhos de arquitectura promovidos pelos cidadãos são sujeitos ao escrutínio estatal, com vista a apreciar se estão em conformidade com as regras urbanísticas e edificatórias em vigor.
O que isto significa é que o acto do licenciamento desempenha uma função jurídica. A autoridade conferida aos organismos licenciadores do Estado resulta de se suportar em regras que estão devidamente inscritas na legislação e publicadas enquanto tal. Caso contrário, estaríamos na presença de um acto discricionário, ao sabor do entendimento pessoal e subjectivo de cada técnico ou entidade que exerce essa função.
Um dos graves problemas – diria mesmo dramas – de produzir arquitectura em Portugal resulta da fraca cultura institucional das Câmaras Municipais e demais organismos do Estado sobre significado do serviço público que deviam exercer. A falta de rigor jurídico, o incumprimento de prazos legais de tramitação processual, a falta de objectividade em relação ao que é essencial e acessório no que respeita aos interesses públicos e privados em presença, resultam num verdadeiro atentado à actividade económica e ao espaço de liberdade individual dos cidadãos. Resultado dessa cultura institucional débil, o cidadão acaba por ser confrontado com pareceres técnicos que misturam factos jurídicos com asserções de dimensão completamente pessoal e subjectiva, do entendimento do técnico individual ou do colectivo institucional que exerce a autoridade de licenciamento.
Devia reflectir-se seriamente sobre o que está aqui em causa. Já será negativo que em certas instituições se cultive um culto de rigor que é, em boa verdade, a mais cega e estrita interpretação possível da legislação. Mas quando este exercício recai para o terreno da completa indistinção entre legal e opinativo, entre o objectivo e o subjectivo, as consequências tornam-se ainda mais graves. Licenciar torna-se assim o mais discricionário exercício de autoridade à mercê dos seus técnicos e dos seus caprichos. Quando o seu zelo não se faz acompanhar de cultura arquitectónica ou saber técnico (histórico, patrimonial ou qualquer outro), os cidadãos vêm-se sujeitos às mais irrelevantes asserções e imposições sobre beirados, alisares, cores locais e essa anedota que dá pelo nome de traça original.
É muito importante que se compreenda de forma inequívoca que a autoridade dos agentes do Estado resulta da inscrição das suas disposições em suporte legal. Quando não estão em presença valores devidamente identificados e regulamentados, a sua actuação casuística e caprichosa faz resvalar essa autoridade para um exercício ilegítimo, sem transparência e, mais grave ainda, sem validade legal. Uma situação que promotores musculados poderão rebater facilmente com suporte jurídico, mas a que cidadãos e profissionais, por desconhecimento ou receio de retaliação, se acabam muitas vezes por submeter.
A reflexão importante que deveria fazer-se em torno do que serão boas práticas de licenciamento será inútil se realizada com mero intuito de culpabilização dos seus agentes. É certo que o Estado se debate com problemas de qualificação técnica e humana, de organização, metodologias e meios. E que a nebulosa cacofónica de legislação do sector torna o trabalho de licenciamento um pesadelo para os técnicos directamente envolvidos. O que está em causa, verdadeiramente, é a urgência em inscrever no Estado uma doutrina de qualidade. A instituição de uma cultura de serviço público e a compreensão de que as más práticas têm como consequência um pesado prejuízo colectivo e o desrespeito pelos direitos individuais dos cidadãos. A cegueira em afrontar este problema terá como resultados, de simplex em simplex, a perda de autoridade dos agentes estatais e, por fim, a desregulamentação total.
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